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Na ‘semana da liberdade’, Inglaterra agora sofre com ‘pingdemia’ de Covid-19

ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – A segunda-feira começou com um ponto de exclamação vermelho na tela do celular: “Alto risco de exposição à Covid-19”, seguido de uma orientação de auto-isolamento por uma semana, com dois testes de coronavírus, no começo e no final do período.

No próprio aplicativo, um link permitia emitir um atestado para licença de sete dias no trabalho.

De caso isolado durante os meses de confinamento e bares e festas proibidos, esses avisos dispararam com a volta das atividades em países europeus e já ganharam até nome: “pingdemia” –”ping”, nesse caso, é o som do celular quando chega a notificação do aplicativo.

Esses programas monitoram, de forma anônima, os contatos próximos dos usuários por um período significativo de tempo (geralmente, quem esteve a menos de 1,5 m por pelo menos 15 minutos). O “ping” é disparado quando um desses contatos é diagnosticado com Covid-19.

Na Inglaterra, que nesta segunda retirou praticamente todas as limitações de circulação, ao mesmo tempo em que a variante delta, mais contagiosa, elevou o número de novos casos.

Com a junção de mais gente contaminada encontrando cada vez mais gente, explodiram as mensagens do aplicativo do NHS (sistema público de saúde), que detecta contatos a menos de 2 metros por 15 minutos.

Na semana que terminou no dia 14 de julho, 619 mil pessoas foram “pingadas”, juntando-se às 500 mil da semana anterior, o que afetou negócios que exigem a presença física dos trabalhadores.

Os alertas deste mês já representam um quarto de todos os enviados desde setembro do ano passado, quando o sistema começou a funcionar.

A situação só não é pior porque, de acordo com pesquisa do instituto YouGov, um décimo dos usuários do aplicativo já o excluíram de seus celulares e, entre os que o mantém instalado, 20% desativaram o rastreamento.

O uso do aplicativo e o isolamento de quem recebe um “ping” não são obrigatórios pelas regras inglesas, mas a prática é recomendada por autoridades de saúde e foi incentivada nos últimos meses, como forma de segurar o contágio. O premiê britânico, Boris Johnson, classificou o auto-isolamento como “ferramenta vital” nas defesas do país contra a pandemia.

Na Inglaterra, a orientação é de ausência no trabalho por dez dias, a não ser que um teste indique contaminação pelo coronavírus, o que exigirá maior afastamento.

A rede de supermercados Iceland teve que fechar lojas, após registrar o afastamento de mais de 1.000 trabalhadores, 3% de sua equipe. Segundo a direção, o fenômeno extrapola a própria empresa e atingiu também fornecedores e transportadoras.

Em Londres, a necessidade de auto-isolamento de funcionários especializados chegou até a paralisar uma linha de metrô no último sábado (17), segundo o sindicato RMT, do setor de transportes.

A companhia que administra portos como os de Southampton e Liverpool disse que a “pingdemia” afastou até 10% das equipes em algumas de suas unidades, e governos locais revogaram as licenças de policiais, cujo desfalque já afetava alguns serviços.

Empresários pediram ao governo britânico que amplie a lista de exceções para os afastamentos —trabalhadores da área de saúde que estejam completamente vacinados, por exemplo, não precisam entrar em quarentena.

O próprio Boris Johnson, e o ministro das Finanças, Rishi Sunak, foram pegos pelo aplicativo em situação de risco e obrigados a entrar em isolamento, justamente na “semana da liberdade”, que começou nesta segunda.

Uma mudança de orientação já era prevista a partir de 16 de agosto: os completamente imunizados há pelo menos 14 dias podem dispensar o afastamento se obtiverem um resultado negativo em teste de PCR.

Mas, com medo de desabastecimento em alta à medida de fotos de prateleiras vazias circulam pelas redes sociais, o ministro da Economia, Kwasi Kwartegn, disse que uma nova lista de exceções poderia ser divulgada ainda nesta semana.

Relaxar a regra de afastamento é algo que faz sentido segundo especialistas como o Paul Hunter, professor de medicina da Universidade de East Anglia: “As evidências mostram que o isolamento de alguém por um contato casual tem pouco ou nenhum valor no controle da epidemia, especialmente no caso dos já imunizados”.

Reduzir as licenças por “pings” porém pode não resolver totalmente o problema no Reino Unido e em outros países europeus que já temem um repique da Covid.

A presidência da rede Loungers de cafés e bares, que tem 175 lojas no país, disse à mídia britânica que o número de testes positivos entre seus funcionários também é crescente desde o começo do mês.

Durante a semana que terminou em 14 de julho, os casos diários de Covid-19 no Reino Unido aumentaram em mais de 60%, atingindo seu ponto mais alto desde meados de janeiro.

Nos cálculos do professor de computação da Universidade de Cambridge Jon Crowcroft, os mais de 600 mil pings da última semana devem se traduzir em 60 mil novos casos na semana que vem.

Ele levou em conta estimativas da taxa de pessoas que usam os aplicativos, do número de contatos realizados, dos novos diagnósticos recentes de Covid e das taxas de vacinação.

Crowcroft acha que mudar os critérios de notificação do aplicativo, como pedem alguns empresários, não seria uma medida adequada, pois o sistema de vigilância se tornaria inútil.

“O mais razoável é mudar o conselho para quem é ‘pingado’, principalmente para os vacinados: o mais sensato é fazer dois testes, em dois dias consecutivos. Se forem negativos, o isolamento é desnecessário”, afirma.

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